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Teor de álcool na gasolina: como é feita a detecção de combustível adulterado?

  • Foto do escritor: Patrick Vizzotto
    Patrick Vizzotto
  • 4 de set.
  • 8 min de leitura

Atualizado: 24 de set.

Um método simples com proveta permite ao consumidor verificar se a gasolina está dentro dos padrões da ANP, protegendo seu carro e o meio ambiente.


bomba de combustível

A gasolina que abastece nossos veículos é muito mais do que um simples líquido combustível. Ela é uma complexa mistura de hidrocarbonetos e outros aditivos, cuidadosamente formulada para garantir o bom funcionamento dos motores e a conformidade com as exigências ambientais. No entanto, infelizmente, o mercado de combustíveis pode ser suscetível à adulteração, um problema sério que afeta desde a saúde do seu carro até o meio ambiente. Uma das formas mais comuns de adulteração está relacionada ao teor de álcool presente na gasolina. Mas como nós, consumidores, e os órgãos fiscalizadores podemos verificar se o combustível que estamos comprando está dentro das normas? A resposta reside em um método simples e eficaz conhecido como o "Teste da Proveta".

 

A gasolina: uma mistura complexa

Para entender a adulteração, primeiro precisamos compreender o que é a gasolina "normal". A gasolina comercial é predominantemente composta por hidrocarbonetos, que são moléculas orgânicas formadas apenas por átomos de carbono e hidrogênio. Estes hidrocarbonetos variam em tamanho e estrutura, e sua combinação confere à gasolina suas propriedades de combustão. Um exemplo de hidrocarboneto presente na gasolina é o 2,2,4-trimetilpentano, também conhecido como isoctano. Além dos hidrocarbonetos, a gasolina brasileira possui, por determinação legal, uma porcentagem de etanol anidro.


A presença do etanol na gasolina não é acidental, nem é, por si só, um sinal de adulteração. Pelo contrário, ela é regulamentada e estabelecida por lei. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) é o órgão responsável por definir os padrões de qualidade e as porcentagens permitidas de álcool etílico anidro combustível na gasolina. Até o julho de 2025, o teor permitido de etanol anidro na gasolina comum no Brasil foi em torno de 25% a 27%. Essa variação pode ocorrer de tempos em tempos, influenciada por fatores como a safra da cana-de-açúcar, que é a matéria-prima do etanol.


Existem dois motivos principais para a adição de etanol à gasolina. O primeiro é econômico: a gasolina é um derivado do petróleo, um recurso não renovável, e a adição de etanol, que é mais barato, ajuda a baratear o custo final do combustível. O etanol, por ser um biocombustível proveniente da cana-de-açúcar, é considerado um recurso renovável e mais sustentável, pois o ciclo de cultivo da cana absorve parte do dióxido de carbono liberado pela sua queima. O segundo motivo é técnico: o etanol contribui para aumentar a octanagem da gasolina. A octanagem é uma medida da resistência do combustível à detonação (a famosa "batida de pino" do motor), garantindo uma combustão mais eficiente e controlada. Gasolinas com maior octanagem, como a gasolina Podium (que pode ter 99% de isoctano), são indicadas para motores de alta performance.

 

O que é a gasolina adulterada?

A adulteração da gasolina ocorre quando o combustível está fora do padrão de venda determinado pela ANP. Isso pode acontecer principalmente pela adição irregular de solventes ou por um excesso de álcool etílico anidro acima dos limites permitidos. Entre os solventes mais comuns utilizados para adulterar a gasolina, podemos citar óleo diesel, querosene, aguarrás, refinados petroquímicos, solventes para borracha e benzina industrial. No entanto, o mais frequentemente utilizado, e alvo do teste que discutiremos, é o álcool etílico anidro em quantidades superiores às regulamentadas.


Uma gasolina é considerada adulterada não por conter água, mas sim por apresentar álcool acima do permitido. O objetivo da adulteração é quase sempre financeiro: aumentar o volume do combustível para vendê-lo, muitas vezes a um preço mais baixo, e obter lucro indevido.

 

Os perigos da gasolina adulterada

Os danos causados pela gasolina adulterada são graves e abrangem desde o veículo até o meio ambiente e a saúde humana.


No seu veículo, as primeiras peças a sofrerem com o contato direto do combustível adulterado são as velas de ignição e os bicos injetores. As velas de ignição são responsáveis por gerar a faísca que acende a mistura ar-combustível, e os bicos injetores pulverizam a gasolina na câmara de combustão. Um combustível fora do padrão pode prejudicar o desempenho de ambos, levando a uma queima ineficiente.


Com o tempo, a adulteração pode danificar outros componentes cruciais do sistema de exaustão, como a sonda lambda e o catalisador. A sonda lambda monitora a quantidade de oxigênio nos gases de escape, ajudando o motor a otimizar a mistura ar-combustível. O catalisador, por sua vez, transforma gases poluentes em substâncias menos nocivas. Um processo de queima disfuncional, causado pela gasolina adulterada, pode encharcar o catalisador, comprometendo sua eficácia e até mesmo levando à sua falha prematura.


Além disso, solventes presentes no combustível adulterado podem ressecar peças de borracha, diminuindo consideravelmente a vida útil desses componentes, que são essenciais para vedação e transporte de combustível. Imagine mangueiras, anéis de vedação e outras borrachas do sistema de combustível se deteriorando precocemente; isso pode causar vazamentos e problemas sérios.


Do ponto de vista ambiental, o combustível adulterado produz mais resíduos e aumenta a poluição. Alguns dos produtos formados pela queima incompleta ou pela presença de solventes irregulares podem ser até mesmo agentes cancerígenos. A poluição atmosférica, já um problema em grandes centros urbanos, é agravada por veículos que utilizam combustível de má qualidade. A queima da gasolina, mesmo a não adulterada, libera dióxido de carbono (CO2), um gás de efeito estufa. No entanto, a queima de gasolina adulterada pode liberar ainda mais poluentes e resíduos prejudiciais.


Diante de tantos problemas, a prevenção é a melhor estratégia: abasteça sempre em postos de confiança, com bandeira conhecida, e peça sempre a nota fiscal.

 

O teste da proveta

A proveta é um recipiente cilíndrico de vidro, graduado, comumente encontrado em laboratórios, utilizado para medir volumes de líquidos. Para o teste, geralmente utiliza-se uma proveta de 100 ml.


O teste da proveta baseia-se em princípios fundamentais da ciência: polaridade, solubilidade, densidade e extração líquido-líquido.

 

1. Polaridade e Solubilidade:

    ◦ Gasolina: A gasolina, sendo uma mistura de hidrocarbonetos, é uma substância apolar. Suas moléculas são predominantemente não polares.

    ◦ Álcool (Etanol): O etanol (álcool etílico) é uma molécula anfifílica, o que significa que possui tanto uma parte polar quanto uma parte apolar. A parte polar é a hidroxila alcoólica que permite ao etanol formar ligações de hidrogênio com outras moléculas polares. A parte apolar é a cadeia carbônica. Essa dupla afinidade faz com que o etanol se dissolva tanto em substâncias polares (como a água) quanto em substâncias apolares (como a gasolina).

    ◦ Água: A água é uma molécula altamente polar, capaz de formar fortes ligações de hidrogênio.

 

2. O princípio geral da solubilidade é "semelhante dissolve semelhante". Por isso, o etanol se mistura com a gasolina, mesmo tendo diferentes polaridades, devido à sua natureza anfifílica e, no contexto industrial, à agitação constante que força essa mistura. No entanto, a polaridade do etanol é mais próxima à da água do que à da gasolina.


3. Extração Líquido-Líquido: O Teste da Proveta utiliza a técnica de extração líquido-líquido. Nela, aproveita-se a diferença de solubilidade de uma substância (o etanol) em dois líquidos imiscíveis entre si (a gasolina e a água/solução salina). Quando a gasolina com etanol é misturada com água, o etanol, por ter maior afinidade com a água (devido à polaridade), é "extraído" da gasolina e migra para a fase aquosa.


4. Densidade: Após a extração, as duas fases líquidas se separam em camadas devido às suas diferentes densidades. A fase mais densa (água + etanol) ficará na parte inferior da proveta, enquanto a fase menos densa (gasolina) ficará na parte superior. A água é mais densa que a gasolina, e a mistura de água e etanol também será mais densa do que a gasolina pura.

 

A vantagem da água salgada (solução de cloreto de sódio)

Embora o teste possa ser feito com água destilada ou mineral comum, alguns métodos sugerem o uso de uma solução de cloreto de sódio (água salgada) a 10%. A água salgada é mais eficiente na extração do álcool. Mas por quê?


O cloreto de sódio (NaCl), quando dissolvido na água, forma íons (Na+ e Cl-) que aumentam a polaridade da solução aquosa. Este aumento da polaridade faz com que a solução de água salgada tenha uma afinidade ainda maior pelo etanol do que a água pura. Em termos mais técnicos, o sal provoca um efeito conhecido como "salting out", onde a presença de íons na água reduz a solubilidade de outras moléculas orgânicas na fase aquosa, mas no caso do etanol, devido à sua forte capacidade de formar ligações de hidrogênio com a água, o efeito principal é o de tornar a fase aquosa um "competidor" ainda mais forte pela presença do etanol. Em outras palavras, a água salgada "puxa" o álcool da gasolina com mais força, garantindo uma extração mais completa e resultados mais precisos.

 

Realizando o teste da proveta: um guia passo a passo

O teste é relativamente simples e pode ser realizado em qualquer posto de combustível a pedido do consumidor.


Materiais Necessários:

• Uma proveta graduada de 100 ml.

• Uma amostra de gasolina (geralmente 50 ml).

• Água destilada, água mineral, ou preferencialmente, uma solução de cloreto de sódio a 10%.


Procedimento:

1. Medição da Gasolina: Comece adicionando a amostra de gasolina na proveta. Para facilitar os cálculos e garantir a precisão, geralmente se utiliza um volume de 50 ml de gasolina. Certifique-se de que a proveta esteja em uma superfície plana e que a leitura do volume seja feita na altura dos olhos para evitar erros.


2. Adição da Água (ou Solução Salina): Em seguida, complete o volume na proveta até a marca de 100 ml com água ou a solução de cloreto de sódio. Isso significa que você estará adicionando 50 ml da fase aquosa à gasolina.


3. Homogeneização: Feche a proveta (se houver tampa) e agite a mistura vigorosamente por alguns instantes. A agitação é crucial para que o etanol, presente na gasolina, tenha contato suficiente com a água e possa migrar para a fase aquosa.


4. Espera e Separação de Fases: Após a agitação, deixe a proveta em repouso por alguns minutos (geralmente cerca de 10 minutos são suficientes) para que as duas fases se separem completamente.


5. Observação dos Resultados: Você observará a formação de duas camadas distintas.

   ◦ Fase Superior: Será a gasolina, agora com um volume reduzido, pois o etanol foi extraído dela.

   ◦ Fase Inferior: Será a mistura de água e etanol, que aumentou de volume em relação aos 50 ml iniciais de água. A fase aquosa pode apresentar uma cor mais esbranquiçada ou turva, devido à presença do etanol.

 

Calculando e interpretando o teor de álcool

A etapa final e mais importante é a leitura e o cálculo do teor de álcool.


1. Leitura do Volume: Observe a marcação na proveta correspondente ao volume total da fase inferior (água + etanol).


2. Cálculo do Volume de Etanol: Para encontrar o volume de etanol extraído, subtraia o volume inicial de água que você adicionou (50 ml) do volume final da fase inferior.

    ◦ Exemplo Prático: Se o volume da fase inferior for 62,5 ml:

        ▪ Volume de Etanol = Volume final da fase inferior – Volume inicial de água

        ▪ Volume de Etanol = 62,5 ml – 50 ml = 12,5 ml


3. Conversão para Porcentagem: Agora, para determinar a porcentagem de etanol na gasolina, você pode usar uma regra de três simples, considerando que os 50 ml de gasolina analisada representam 100% da amostra.

    ◦ Usando o exemplo de 12,5 ml de etanol:

        ▪ 50 ml de gasolina ------------- 100%

        ▪ 12,5 ml de etanol ----------- X%

        ▪ X = (12,5 * 100) / 50 = 25%


4. Outra forma de calcular, de maneira simplificada, é usar a fórmula: Teor (%) = (Volume de Álcool / Volume de Gasolina) x 100

    ◦ Para 12,5 ml de álcool em 50 ml de gasolina: (12,5 / 50) * 100 = 25%


5. Comparação com os Limites da ANP: Compare a porcentagem calculada com os limites regulamentados pela ANP. Se o teor de etanol estiver entre 25% e 27% (ou a faixa que estiver em vigor no momento), a gasolina está dentro da especificação e não é considerada adulterada em relação ao teor de álcool.

 

Conclusão

A fiscalização do teor de álcool na gasolina, exemplificada pelo simples e eficaz Teste da Proveta, é uma ferramenta vital para garantir a qualidade do combustível que abastece nossos veículos. Baseado em princípios químicos de polaridade, densidade e extração líquido-líquido, o teste permite ao cidadão comum verificar se a gasolina está dentro dos padrões estabelecidos pela ANP.


Cuidar do seu carro no dia a dia vai além da manutenção mecânica; envolve também a atenção à qualidade do que você coloca no tanque. Ao abastecer em postos confiáveis e exercer seu direito de fiscalização, você contribui para um mercado de combustíveis mais justo e para um futuro mais limpo e sustentável. A ciência, como sempre, nos oferece as ferramentas para entender e melhorar o mundo ao nosso redor.



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