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Dinâmica do tráfego: uma análise científica do efeito sanfona

  • Foto do escritor: Patrick Vizzotto
    Patrick Vizzotto
  • há 5 dias
  • 7 min de leitura

O movimento repetitivo de aceleração e frenagem, conhecido como efeito sanfona, gera instabilidade no fluxo de veículos, aumenta acidentes, consumo de combustível e poluição urbana.


trânsito congestionado

O efeito sanfona transforma pequenos ajustes de velocidade em ondas de congestionamento que se propagam pelos veículos, aumentando riscos de acidentes, consumo de combustível e emissões de poluentes. Tecnologias como o radar de velocidade média surgem como solução para promover condução uniforme e mais segura em trechos urbanos e rodoviários.


O trânsito é uma das manifestações mais complexas da dinâmica de fluidos e comportamentos humanos. Diariamente, milhões de veículos se deslocam em vias urbanas e rodoviárias, buscando eficiência, mas frequentemente encontrando a frustração do congestionamento. Entre os fenômenos que transformam um fluxo estável em um caos de paradas e arranques, um se destaca pela sua natureza cíclica e destrutiva: o chamado “efeito sanfona”.


Este termo popular descreve um padrão de movimento onde os veículos repetidamente aceleram bruscamente e, em seguida, freiam com intensidade, propagando uma onda de lentidão e interrupção ao longo da via. Longe de ser apenas um incômodo, o efeito sanfona é um problema de segurança pública, economia e engenharia que tem suas raízes na tentativa humana de burlar as regras, sendo exacerbado pelas limitações das tecnologias tradicionais de fiscalização de velocidade. A compreensão da física subjacente a esse efeito e a introdução de novas tecnologias de monitoramento são fundamentais para a busca de um tráfego mais seguro e eficiente.

 

1. A fenomenologia do fluxo de tráfego

Para entender o efeito sanfona, é necessário primeiro visualizar o tráfego não apenas como carros individuais, mas como um sistema dinâmico. A Engenharia de Tráfego, e até mesmo a Física, frequentemente trata o fluxo de veículos como um tipo de fluido.


Existem tipicamente três estados principais de fluxo em uma rodovia. O primeiro é o fluxo livre, onde a densidade de veículos é baixa e os motoristas podem manter a velocidade desejada, limitada apenas pelo limite da via ou pelo desempenho do carro. O segundo é o fluxo sincronizado (ou congestionamento em formação), caracterizado por alta densidade e velocidades que, embora ainda razoáveis, são instáveis. O terceiro, e mais grave, é o congestionamento ou jamming, onde o tráfego para completamente ou se move em velocidades extremamente baixas.


O efeito sanfona floresce justamente no segundo e terceiro estados. É a manifestação de uma instabilidade no fluxo sincronizado. Em condições ideais, uma perturbação no trânsito (como um motorista freando levemente) deveria ser absorvida pelos carros subsequentes sem causar uma parada total. No entanto, quando a densidade de veículos é alta, o tempo de reação humano e a tendência a uma condução não uniforme transformam pequenas correções em grandes perturbações que se propagam para trás.


O comportamento dos motoristas é o catalisador dessa instabilidade. O trânsito brasileiro, em particular, historicamente utiliza radares que determinam a velocidade instantânea em um único ponto da via. Essa medição pontual ignorava todo o histórico de velocidade mantida antes ou depois daquele local. Conhecendo essa limitação, tornou-se comum o hábito arriscado de acelerar acima do limite e, em seguida, frear um pouco antes de passar pelo medidor para evitar a infração, para depois acelerar novamente. Esse padrão de “acelera e freia”, ou a famosa “freadinha”, é o que pode iniciar e alimentar o efeito sanfona no tráfego.

 

2. A física da instabilidade: ondas de choque no tráfego

Cientificamente, o efeito sanfona é estudado através de modelos de dinâmica de tráfego, frequentemente comparados à teoria de ondas de choque em fluidos, ou modelos de “siga o carro” (car-following models).


Quando um motorista decide frear repentinamente (seja por causa de um radar, distração ou um obstáculo), o veículo imediatamente atrás precisa reagir. Devido ao tempo de reação (que pode variar de 0,5 a 1,5 segundos), o segundo motorista só começa a frear quando já está mais perto do que o ideal. Para evitar a colisão, ele é forçado a frear com mais intensidade do que o primeiro carro. Essa reação exagerada se propaga em cadeia.


Esta amplificação da frenagem é o cerne da onda de choque de tráfego. Essa onda viaja contra o sentido do fluxo de carros. Enquanto os carros se movem para a frente, a informação de que é preciso parar se move rapidamente para trás, fazendo com que os motoristas mais distantes freiem.


Quando a densidade é alta, essa onda de choque é capaz de reduzir a velocidade do fluxo a zero momentaneamente. Uma vez que o primeiro motorista (que iniciou a frenagem) começa a acelerar novamente, leva um tempo para que essa aceleração se propague para trás e restabeleça o fluxo. O resultado é o ciclo repetitivo: aceleração, lentidão, frenagem brusca, parada, aceleração lenta – o movimento de abrir e fechar da sanfona.


A física nos ajuda a entender a magnitude do perigo. A energia cinética, a energia associada ao movimento de um veículo, aumenta com o quadrado da velocidade. Isso significa que um pequeno aumento na velocidade resulta em um aumento desproporcional na energia envolvida em um impacto. Por exemplo, se um carro acelera de 80 km/h para 100 km/h, sua velocidade instantânea aumenta em apenas 25%, mas sua energia cinética salta cerca de 56%. Em uma colisão, toda essa energia precisa ser absorvida pelos veículos e seus ocupantes. O efeito sanfona, ao incentivar essa variação brusca de velocidade e a manutenção de velocidades elevadas entre os pontos de frenagem, intensifica os potenciais danos em caso de acidente.

 

3. Os impactos multidimensionais do efeito sanfona

Os custos do efeito sanfona são sentidos em diversas esferas, ultrapassando o simples inconveniente do tempo perdido no trânsito.

 

3.1. Segurança viária e acidentes

A variação drástica de velocidade é classificada como um hábito arriscado. Um dos principais objetivos de qualquer tecnologia de monitoramento de tráfego deve ser aumentar a segurança e reduzir os acidentes.


O efeito sanfona, ao criar um ambiente de imprevisibilidade e frenagens de emergência, contraria diretamente os princípios de segurança. O foco na medição de velocidade instantânea falha em coibir os infratores que extrapolam a velocidade máxima permitida de forma consistente ao longo do trecho. Esses infratores, que voltam a acelerar logo após o radar, contribuem diretamente para a onda de instabilidade que leva a acidentes em trechos subsequentes, muitas vezes apenas um quilômetro após o ponto de fiscalização.

 

3.2. Eficiência, economia e meio ambiente

O fluxo de condução uniforme e estável é o oposto do efeito sanfona. O movimento constante de aceleração e frenagem tem implicações diretas na eficiência veicular e no impacto ambiental.

Do ponto de vista econômico, a condução não uniforme resulta em um aumento no consumo de combustível. Os motores consomem significativamente mais combustível durante os picos de aceleração do que quando mantêm uma velocidade constante. Para uma nação que busca eficiência energética, coibir o efeito sanfona promove a economia.


Ambientalmente, a queima ineficiente de combustível durante as acelerações bruscas leva a uma maior emissão de poluentes, incluindo o dióxido de carbono (CO2). A redução do efeito sanfona, ao promover um comportamento mais uniforme, contribui para uma menor emissão de poluentes.


Em termos de mobilidade, a consequência mais perceptível do efeito sanfona é a geração e exacerbação de congestionamentos. A queda abrupta na velocidade em um ponto específico, causada pela reação em cadeia das frenagens, diminui a capacidade de vazão da via, levando ao tráfego lento e à perda de tempo para todos os usuários.

 

4. A resposta tecnológica: o radar de velocidade média

Reconhecendo as falhas do monitoramento instantâneo, surge a necessidade de uma solução que atue sobre o comportamento do condutor ao longo de um trecho, e não apenas sobre infrações pontuais. Esta solução é o radar de velocidade média (RVM).

 

4.1. Princípio de funcionamento

O RVM opera com uma lógica simples da física do movimento, contrastando com os radares instantâneos, que podem usar laços indutivos, laser ou o efeito Doppler para calcular a velocidade em um instante. A velocidade média (Vm) é uma definição física que quantifica a rapidez com que um móvel percorreu um trajeto, calculada pela divisão do deslocamento total pelo intervalo de tempo necessário para percorrê-lo.


O sistema do RVM utiliza pares de sensores (geralmente câmeras ou medidores) instalados em pontos distintos da via: um no início (Ponto A) e outro no fim (Ponto B) de um trecho pré-determinado, que pode ter a distância de alguns quilômetros.


1. Registro Inicial: Quando um veículo passa pelo Ponto A, a câmera registra a placa e o horário exato da passagem.

2. Registro Final: Ao passar pelo Ponto B, o sistema registra novamente a placa e o horário de saída.

3. Cálculo da Média: Um software divide a distância conhecida entre os pontos pelo tempo gasto para o veículo percorrer o trajeto.

4. Infração: Se a velocidade média resultante for superior ao limite permitido na via, a infração é caracterizada.


A eficácia do RVM reside no fato de que ele elimina a vantagem do truque de “acelerar e frear”. Para evitar a multa, o motorista é obrigado a respeitar o limite de velocidade durante todo o percurso monitorado, garantindo uma velocidade segura e constante.

 

4.2. Superando a tentativa de fraude

A única maneira de um condutor tentar burlar um sistema de velocidade média após ter acelerado além do limite seria compensar o excesso de velocidade viajando significativamente abaixo do limite (ou até parando) antes de atingir o segundo radar.


Para o sistema, o tempo mínimo para percorrer o trecho é determinado pelo limite de velocidade da via. Se o limite é de 60 km/h em um trecho de 1 km, o tempo mínimo de viagem é 60 segundos. Se o veículo percorrer esse quilômetro em 45 segundos, ele teve uma velocidade média de 80 km/h e será multado. Isso desestimula a condução agressiva e não uniforme.

 

Conclusão: a perspectiva de mudança de paradigma

A implementação em larga escala dos radares de velocidade média representa uma mudança de paradigma na fiscalização de trânsito. O foco migra da punição instantânea para a promoção da condução responsável e constante.


Quando os motoristas internalizam que a velocidade média será monitorada ao longo de trechos mais longos, a única escolha prática e eficiente é respeitar os limites do começo ao fim. Esse comportamento resulta em:


1. Uniformidade da Velocidade: O fim do "acelera e freia" elimina a causa primária das ondas de choque e do efeito sanfona, estabilizando o fluxo.

2. Redução de Acidentes: A velocidade uniforme e menor reduz a energia de impacto em caso de colisão.

3. Maior Fluidez: A diminuição do efeito sanfona se traduz diretamente em menos congestionamentos causados por instabilidade.


Para a sociedade, o benefício final da eliminação do efeito sanfona é claro: vias mais seguras, menos mortes e feridos graves, menor poluição e maior eficiência no transporte.

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