O asfalto fala: o que as marcas de frenagem contam sobre colisões?
- Patrick Vizzotto
- 29 de jun.
- 5 min de leitura
Atualizado: 16 de out.
Rastros de borracha viram equações: veja como a física ajuda a decifrar acidentes de trânsito.

Imagine esta cena: um acidente aconteceu em uma rodovia. Dois automóveis colidiram. Nenhuma câmera flagrou o momento exato do impacto. As testemunhas não viram com clareza quem estava em alta velocidade. Mas no asfalto, um detalhe resiste ao calor da tragédia: longas marcas de frenagem. Faixas negras, impressas como linhas de código — e quem sabe lê-las, como os peritos, pode reconstruir alguns detalhes da história que levou à colisão.
É aqui que entra a física. Em especial, a física dinâmica.
O asfalto também fala
Quando um veículo freia bruscamente, seus pneus deixam rastros de atrito no pavimento. Essas marcas, chamadas tecnicamente de marcas de frenagem ou de derrapagem, guardam informações preciosas. Elas indicam que houve uma desaceleração repentina, e que o motorista tentou evitar um impacto iminente. Quanto mais longa a marca, maior a energia que o veículo precisava dissipar para parar — e, logo, maior era sua velocidade no início da frenagem.
Você já imaginou que fosse possível descobrir a velocidade no momento em que o carro começou a frear usando somente uma trena e uma fórmula da física do Ensino Médio?
Um veículo em velocidade, possui energia associada ao seu movimento denominada Energia Cinética:
Ec = 1/2.m.v² (1)
Onde m é a massa do veículo e V é a sua velocidade.
A ação de derrapar leva o veículo ao repouso, após percorrer certa distância d. A força que faz com que o móvel pare é o atrito dos pneus com a rodovia, que pode ser calculado, considerando uma rodovia plana, por meio da equação:
Fat= μ.m.g (2)
Onde μ é o coeficiente de atrito, m a massa do veículo e g é a aceleração da gravidade.
Quando o carro para, reduz-se a sua energia cinética a zero e a sua variação é igual ao trabalho realizado pela força de atrito responsável por pará-lo. Esse trabalho mecânico pode ser calculado por:
W=Fr.d (3)
Assim, substituindo 2 em 3 temos:
W= μ.m.g.d
Como ΔEc = W se obtém:
0-(1/2).m.v²= μ.m.g.d
Isolando a distância:
d= v²/(2.μ.g)
Isolando a velocidade:
v= √2.μ.g.d
Essas condições são ideais, ou seja, consideram o estado do veículo, como freios funcionando em bom estado, todas as rodas sendo travadas em simultâneo, assim como boas condições do asfalto. A partir dessa dedução, se observa que a distância de parada na derrapagem depende do coeficiente de atrito e da velocidade, independente da massa do veículo.
A partir dessas equações, é possível estimar a velocidade de colisão a partir das marcas de derrapagem, como as descritas acima. No entanto, é importante destacar que essas condições ideais podem não ser alcançadas na prática, pois a presença de obstáculos, a superfície da estrada, a pressão dos pneus e outros fatores podem afetar a distância de parada e a velocidade do veículo durante a derrapagem.
É importante lembrar também que as equações acima não consideram a inércia do corpo humano no interior do veículo, o que é um fator importante a ser considerado na avaliação de colisões em trânsito.
Portanto, embora a estimativa da velocidade de colisão a partir das marcas de derrapagem seja uma ferramenta útil para investigadores de trânsito, é importante ter cuidado ao interpretar os resultados e considerar todas as variáveis envolvidas no processo.
O trabalho da física forense
A perícia em acidentes de trânsito é uma ciência que mistura física, engenharia e observação meticulosa. Quando os especialistas chegam ao local, eles medem as marcas no asfalto, analisam o posicionamento final dos veículos, observam danos estruturais e avaliam o tipo de colisão.
As marcas de derrapagem indicam intenção de frenagem, mas também ajudam a inferir:
Se o motorista percebeu o perigo a tempo
Se houve falha nos freios
Se o solo estava molhado ou escorregadio
Se o veículo derrapou ou freou em linha reta
Tudo isso se traduz em números e gráficos, que ajudam a reconstituir a dinâmica do acidente.
E se o carro não freou?
Nem sempre há marcas no chão. Se o motorista não teve tempo de frear, ou se os freios falharam, a análise se torna mais complexa. Nesses casos, os peritos usam outros indícios:
Deformações nos veículos
Projeção dos corpos ou objetos
Deslocamento pós-impacto
Simulações computacionais
Dados de sistemas eletrônicos (em veículos modernos)
Freios ABS: e quando o carro não deixa marcas?
Um ponto essencial na análise de acidentes de trânsito modernos é considerar o tipo de freio utilizado pelos veículos. Quando se trata de veículos sem ABS, o procedimento é mais direto: em uma frenagem brusca, as rodas travam, o automóvel desliza sobre o asfalto, e as marcas de derrapagem são claras e contínuas. A partir delas, é possível estimar a velocidade no momento do início da frenagem com boa precisão usando fórmulas descritas acima.
Mas o cenário muda quando entra em cena o ABS (Anti-lock Braking System). Esse sistema evita que as rodas travem completamente, permitindo que os pneus continuem girando mesmo durante uma frenagem intensa. O resultado? O veículo freia com mais controle, diminui a distância de parada e não deixa marcas contínuas de derrapagem no solo. Em vez disso, podem surgir marcas intermitentes, fragmentadas ou mesmo imperceptíveis ao olho nu.
Essa característica dificulta o uso direto das fórmulas tradicionais, já que elas se baseiam no atrito de deslizamento — que não ocorre da mesma forma em carros com ABS. Além disso, o coeficiente de atrito efetivo com ABS tende a ser maior, pois o contato dinâmico com o solo é mais eficiente do que quando os pneus estão escorregando.
Nesses casos, a perícia precisa buscar outras estratégias: simulações por computador, dados eletrônicos armazenados no veículo, testemunhos e a análise de outros vestígios físicos da colisão. A física continua sendo a base da investigação, mas precisa ser aplicada com atenção às tecnologias modernas dos veículos, como o ABS, que mudam como as leis do movimento se manifestam na prática.
Física que salva vidas
Pode parecer somente uma curiosidade técnica, mas saber que é possível determinar a velocidade a partir das marcas de derrapagem tem um efeito educativo. Mostra, na prática, que as leis da física estão atuando o tempo todo nas ruas — e que as ignorar pode custar caro.
A energia de movimento de um veículo aumenta com o quadrado da velocidade. Isso significa que um carro a 80 km/h tem quatro vezes mais energia que um a 40 km/h. E toda essa energia precisa ser dissipada em uma freada — ou em uma colisão.
Quando os pneus travam, especialmente em curvas ou em pistas com imperfeições, o carro pode perder estabilidade. Isso causa marcas em zigue-zague, ou até em forma de arco. Essas variações também ajudam a entender se o veículo derrapou, rodou, ou colidiu de lado.
Conclusão
As marcas no asfalto não são somente vestígios de borracha. São registros silenciosos da física em ação — e pistas para que a verdade venha à tona. Determinar a velocidade a partir dessas marcas é mais do que cálculo: é reconstruir histórias, entender erros e, principalmente, evitar que eles se repitam.



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